sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A corrosão do caráter.

A expressão "capitalismo flexível" descreve hoje um sistema que é mais que uma variação sobre um velho tema. Enfatiza-se a flexibilidade. Atacam-se as formas rígidas de burocracia, e também os males da rotina cega. Pede-se aos trabalhadores que sejam ágeis, estejam abertos a mudanças a curto prazo, assumam riscos continuamente, dependam cada vez menos de leis e procedimentos formais.
Essa ênfase na flexibilidade está mudando o próprio significado do trabalho, e também as palavras que empregamos para ele.
Talvez o aspecto da flexibilidade que mais confusão causa seja seu impacto sobre o caráter pessoal. O caráter é o valor ético que atribuímos aos nossos próprios desejos e às nossas relações com os outros, o caráter de alguém depende de suas ligações com o mundo, são os traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem.
Tempo é o único recurso que os que estão no fundo da sociedade têm de graça. É a dimensão do tempo do novo capitalismo, e não a transmissão de dados high-tech,os mercados de ação globais ou o livre comércio,que mais diretamente afeta a vida emocional das pessoas fora do local de trabalho. Transposto para a área familiar, "Não há longo prazo" significa mudar, não se comprometer e não se sacrificar.
O capitalismo conseguira alguma coisa semelhante a uma consumação final; se havia maior liberdade de mercado, menor controle do governo, o "sistema" ainda entrava na experiência cotidiana das pessoas como sempre fizera, com sucesso e fracasso, dominação e submissão, alienação e consumo. O que se encaixa nas questões de cultura e caráter.
As condições de tempo no novo capitalismo criaram um conflito entre caráter e experiência, a experiência do tempo desconjuntado ameaçando a capacidade das pessoas transformarem seus caracteres em narrativas sustentadas.
Durante a maior parte da história humana, as pessoas têm aceito o fato de que suas vidas mudarão de repente devido a guerras, fomes ou outros desastres, e de que terão de improvisar para sobreviver.
O que é único na incerteza hoje é que ela existe sem qualquer desastre histórico iminente; ao contrário, está entremeada nas práticas cotidianas de um vigoroso capitalismo.
Talvez a corrosão de caracteres seja uma conseqüência inevitável. "Não há mais longo prazo" desorienta a ação a longo prazo, afrouxa os laços de confiança e compromisso e divorcia a vontade do comportamento. O comportamento flexível que traz o sucesso enfraquece seu caráter de um modo para o qual não há remédio prático.
A flexibilidade de tempo e de caráter acontece porque as pessoas motivadas por uma busca de ascensão social ou apenas por uma inclusão social ou por sobrevivência, passam por uma mudança de caráter e de tempo corrompendo assim uniões familiares e de amizades.



(Texto produzido a partir da leitura do artigo "Deriva: como o novo capitalismo ataca o caráter pessoal" IN: A Corrosão do Caráter, de Richard Senett) Texto produzido a partir da leitura do artigo "Deriva: como o novo capitalismo ataca o caráter pessoal" IN: A Corrosão do Caráter, de Richard Senett)

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